terça-feira, 12 de outubro de 2010

Cartas Seladas.


Quando a vida lhe parecer perfeita e quando você não desejar maior felicidade que a do presente, agarre-a. Você não sabe quando, ou se, terá essa oportunidade novamente. Há um ano Sophie me fez o homem mais feliz da face da terra. Com ela em meus braços eu seria capaz de enfrentar a tudo e a todos. Exceto a Deus, ao que ele e o destino haviam planejado para nós dois.

Há um ano eu amei aquela mulher a noite inteira. Entrelaçamos como jamais havíamos feito. Tentando desobedecer qualquer lei da física, nos juntamos em um só. Era uma paixão avassaladora, um amor tão profundo que era como se voássemos. Parece piegas, entretanto como se diz por aí: “Se o amor não fosse brega e ridículo, não seria o amor”. Então naquela noite e nas que se seguiram, nós dois fomos bregas e ridículos. Nós dois fomos apaixonados. Compartilhamos momentos incríveis e indescritíveis.

Uma semana depois de nosso casamento, era a hora da tão amedrontada cirurgia. E apesar de discordar dela, era isso o que ela queria. Queria se ver livre daquela cadeira de rodas. Poder andar e brincar com Mateu. Poder correr em minha direção e abraçar meu tórax com suas pernas pequenas, porém lindas. Queria ser ‘normal’. Ela não entendeu meus medos, assim como eu até hoje não entendi os dela. Por isso, ela se submeteu novamente aos choques e as facas e sei lá mais o quê. Luc Bresson, que hoje é um dos meus melhores amigos, fez de tudo possível para realizar o maior sonho de Sophie.

Ele entrou confiante, colocou-a para dormir com a anestesia passando-lhe essa confiança e deu início. Alguns minutos que passaram para horas foram tranqüilos. Até que as horas se prolongaram e um erro fora cometido. Um erro que podia ter acontecido a qualquer um. Um erro que levou a mulher que eu mais amava a um estado de inconsciência, coma. Então àquelas horas prolongadas se arrastaram para dias. E os dias para meses. Meses que passei sentado numa cadeira extremamente desconfortável.

Sete meses. Um erro que levara o meu amor para longe de mim. Sete meses. Um corte, um monitor sendo desligado e uma seringa furando-a. Sete meses. Eu estava realmente sozinho. Sophie se fora para sempre. Assim como eu. No momento em que desligaram os aparelhos que a mantinham viva, desligaram a mim. Não podia nem pensar em viver sem ela.

Mas, de acordo com Elizabeth Kubler Ross, quando estamos morrendo ou sofrendo, ou sofremos uma perda catastrófica, passamos por cinco estágios de luto. Passamos pela negação. A perda é tão inconcebível que não acreditamos nela.

A princípio eu nem sabia como havia chegado a minha casa. Passei dias, estirado na cama sem comer, às vezes dormindo e às vezes acordado. O tempo parecia não passar. Eu estava preso naquele casulo de dor. Nem ao menos lembro como fui ou voltei do enterro. Estava completamente desligado do mundo. Não conseguia acreditar. Não podia imaginar que era o fim. Que ela havia falecido. Não escutar as pessoas ao seu redor, não dar sinal de vida ou melhora dentro de você. Eu me sentia incapaz de conseguir fazer qualquer movimento até que ela aparecesse novamente à minha frente.

E então ficamos bravos com todo mundo, bravos com os sobreviventes, bravos conosco...

Houve um momento em que o desespero era a minha melhor companhia. Gritar parecia ser o suficiente para eliminar a um terço da dor que estava entranhada em meu peito. Mas então a culpa tomou o lugar. Culpei todos. Lilian, Angela, Charlie, Luc... A lista crescia, mas o resultado só seria um. Era minha culpa. Os ‘se’ dominaram meus pensamentos.

Se eu tivesse acatado o pedido de Lilian e nunca tivesse pagado ao detetive para ir atrás de Sophie. Se eu não tive ido até Esperanza atrás dela e jamais a visse naquele estado. Se eu não tivesse mentido sobre a doença. Se eu não tivesse insistido em uma consulta para ela... Se eu a tivesse simplesmente amado-a com todo meu coração ao invés de me envergonhar e acovardar daquele sentimento. Se eu não tivesse fugido e permanecido ao lado dela, no passado... Ela estaria viva, correndo, brincando, amando a todos incondicionalmente.

... E então barganhamos. Nós suplicamos, imploramos, oferecemos tudo o que temos, oferecemos nossas almas, em troca de apenas mais um dia.

A dor era tão forte, era agonizante. Eu me revirava na cama todas as noites. Sonhava e pensava com aquela doce menina. Pedia e implorava a Deus que aquilo fosse apenas um pesadelo. Suplicava pedindo que a trouxesse de volta e me levasse em seu lugar. Afinal de contas, eu merecia. Sophie tinha razão, se alguém merecia isso era eu. Uma vez ela me disse que eu pagaria por ter mentido e brincado com algo tão sério. Eu estava pagando e caro. Pois pior que a morte, era estar sem ela.

Contudo quando a barganha falha; e a raiva é demais para persistir, ficamos deprimidos, desesperados...

Eu não comia, não falava, não ia ao trabalho... Minha vida se resumia a um nada. Eu estava em total desespero de me mover sem Sophie. Ela era tudo na minha vida, sempre foi. Ela era a minha menina. A menina que havia me dado amor e consolo desde o primeiro momento em que pôs o olho em mim. A menina que não pedia nada em troca do amor que oferecia. A menina que se entregara a mim de todas as maneiras. A menina que tinha um brilho no olhar, que sorria a todos. A menina que se transformara em mulher em meus braços. A mulher que aceitou ser minha esposa. A mulher que seria a mãe de meus filhos. A mulher que seria eternamente minha. Mas que se foi...

E até que finalmente aceitamos que todo o possível foi feito, e desistimos. Desistimos e tentamos aceitar.

E assim seria o final de uma história de amor. Da minha história de amor. Sei que carregarei Sophie em meu peito para o resto da vida. Sei que ela sempre estará comigo em qualquer lugar. O nosso amor foi um dos mais bonitos. Ele durou enquanto nós estivemos vivos, enquanto nós estivemos mortos. Nosso amor foi eterno.

Então eu segui minha vida. Voltei ao trabalho. Todavia uma única criatura transformou a minha vida e ela era Mateu. Ele havia se encantado tanto com Paris e creio que Lilian deixou mais por mim do que por ele, mas ele passou a morar comigo. E no final das contas, eu tinha minha família. Sophie e Mateu pertenciam ao meu coração, para sempre.

A vida continua, mas sempre amarei quem já se foi. Sophie, minha doce Sophie. A amei no passado, a amo no presente e a amarei no futuro. Serei para sempre um prisioneiro devoto dessa paixão.


Matthew terminou de escrever a carta e selou-a. Girou a chave de uma das gavetas da escrivaninha e colocou a carta lá, na frente de tantas outras. Todas elas endereçadas a uma única pessoa: Sophie Mattazo. Todas elas guardadas a sete chaves. Todas elas seladas para sempre. Ele fechou e girou a chave. E com um suspirou levantou-se e saiu do escritório. Passou pelo quarto do filho e arrumou a coberta sobre o corpo pequeno. Desligou o abajur e saiu, deixando apenas uma brecha na porta.

Foi até a adega, abriu um vinho e saboreou deitado na rede da varanda. Olhando as estrelas. Uma estrela cadente surgiu e logo desapareceu perante seus olhos. Mas não houve pedido, não naquela noite. Como ele escrevera: Assim seria o final de uma história de amor. Matthew jamais se esqueceria de Sophie. Não buscaria amor em outro lugar, sua felicidade seria a de seu filho e seus amigos. Seria assim que o destino planejou o fim de duas almas apaixonadas e que tiveram uma única chance de se tornarem um só. O gran finale.

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