sexta-feira, 12 de março de 2010

Gabriela, e os seus atos.

Gabriela, primeiro ato.

Gabriela teve a certeza que havia encontrado o que lhe faltava, ao vê-lo pela primeira vez. Sua boca tentou encontrar palavras para se expressar, mas os braços de Bernardo foram mais velozes, envolvendo-a contra o seu corpo esguio, porém aconchegante. Gabriela permaneceu envolvida nele por mais tempo do que um abraço convencional. Aos poucos, os dois foram se libertando um do outro, mesmo com a vontade de permanecerem conectados para sempre. Os olhos castanhos de Bernardo cintilavam mistério, e ao mesmo tempo certeza. Certeza esta que, por sua vez, desvendava todos os seus mistérios, transformando-os em ternura e pureza. Gabriela já não conseguia evitar o seu olhar de encontro ao dele. Era uma espécie de força magnética que os atraíam. Seu olhar, seus braços, sua boca, sua pele... Tudo nela gritava por ele. Já não tinha domínio nenhum sobre si mesma.Confusa com seus sentimentos, tentou obedecer a voz que sussurrava em sua mente, ignorando os gritos ensurdecedores de seu coração. Fugiu de sua própria vontade, deixando pra trás o trevo de quatro folhas que o vento soprara para o seu quintal.

A semana passou se arrastando, cheia de inquietação e dúvidas. Cansada da estagnação dos seus sentimentos, Gabriela resolveu finalmente dar uma chance para si mesma. Abriu a sua porta, e partiu ao encontro do homem de sua vida.Uma banda já estava posicionada no palco, iniciando sua apresentação. Gabriela passou rapidamente os olhos pelo ambiente, na esperança de encontrar Bernardo sozinho. Eis que surge ele, encostado numa caixa de som posicionada por trás do palco, com os olhos fixos nela. O clima era de flerte. Os dois se desejaram a tarde inteira, intensificando a vontade que sentiam um pelo outro. Ao cair a noite, Bernardo resolve romper a barreira que os separavam. Se aproximou, a cumprimentou com um sorriso amarelo, alisou os fios de cabelo de seu amor, e por fim, a beijou.

As pessoas presentes naquele salão perderam as vozes. A música dos Strokes que tocava ao fundo, perdeu o som. Gabriela e Bernardo foram embalados pelo som de seus corações. Batidas eufóricas, que iam entrando no mesmo compasso, em verdadeira sintonia.
[por Marhyana Lemos]

Gabriela, último ato.

Era uma das raras noites frescas de verão. Gabriela sentia-se desolada. Talvez porque o amor desenfreado com Bernardo não passasse de uma ilusão. Ou porque a paixão pulsante que corroia as veias era apenas um efeito da adrenalina. Pelo menos, da parte de Bernardo.

Enfrentando o fim de uma adolescência repleta de dramas, confusões e coisas inusitadas, Gabriela se viu sendo abandonada por Bernardo. E isso a machucava mais do que Gabriela deixava transparecer. Aquele deslumbramento no show de uma sábado qualquer se transformou em amor. E dos mais puros.
Então Gabriela chorava e agonizava em dor por dentro, enquanto por fora a máscara estava a postos. Seu amor havia encontrado o seu próprio amor. Mas não era ela. Gabriela, assim, caiu em outros braços. Braços errados. Pensava que não haveria problemas em se abandonar neles, já que os certos estavam ocupados.

O tempo passou...

Era uma noite qualquer de uma estação qualquer, quando Gabriela percebeu que estava cansada de errar. Ela queria um amor verdadeiro. Porém, como? O que mais Gabriela ansiava não podia ser alcançado. Pois seu coração ainda batia audível por Bernardo. Sua mente ainda se fixava em suas lembranças românticas. E seu olhar se perdia sempre visualizando aquele beijo tão esperado e desejado. O beijo apaixonante que fazia seu estômago dar voltas.

E ela se transportava para aquela noite, naquele show. Sentia os braços de Bernardo lhe rodearem e apertarem. A magia acontecia sendo embalada pelo som dos Strokes. Gabriela piscava uma e duas vezes. A imagem sumia como num sonho. E ela só conseguia murmurar: ‘Bernardo’! Gabriela se lembraria desse amor para sempre. E Bernardo jamais se esqueceria daquela menina vibrante e apaixonante, independente de quantas terceiras houvesse. Aquele minuto, aquele beijo, aquela canção, aquele amor... Seriam inesquecíveis.

Gabriela, o futuro ato.

Saber que estava preste a morrer era desesperador, aterrorizador. Os sentimentos em ebulição, o suor saindo nervoso pelos poros. Os lábios trêmulos, as mãos inquietas. O suspiro longo, o olhar perdido. Na verdade, tudo estava perdido em sua vida. Não havia mais sentido certo, os pensamentos eram desconexos e as batidas descompassadas. Tudo estava perdido para Gabriela.

O abandono a cada minuto se tornava mais e mais real. A vida escapava-lhe entre os dedos frios. Estava sozinha novamente. Sem motivos ou objetivos a alcançar. Só enxergava a longa estrada empoeirada de terra a sua frente, sem estimulá-la a percorrer sua sina de nuvens negras. Gabriela não conseguia acreditar que há tão pouco tempo ela sentia-se exultante, excitada. Tinha não apenas esperanças, mas sim a certeza de que reencontrara aquele trevo de quatro folhas.

Todavia ele voara alto demais para ser capturado. Escapara novamente do seu campo de visão. Fugira para o destino oposto e controverso ao seu. Correra pela segunda vez para outros braços, deixando-a desamparada. Gabriela, que fez de tudo para consegui-lo. Utilizou da influente sensualidade, do poderoso charme, da carismática conversa e da inquietante paciência. E, então, nada.

Gabriela estava preste a morrer de desilusão quando queria morrer de amor. De amor por Bernardo. Outro Bernardo. Mais maduro e consciente. Tão semelhante, mas ao mesmo tempo tão distinto. Um Bernardo que a fez ser outra Gabriela. Menos impulsiva mais acanhada. Agir com a mente e não com os gestos. Um Bernardo que a adoçou com a memória do gosto de um doce beijo impregnado em seu paladar; que a deixou com o coração jubiloso na mão palpitando no cair da noite, apenas para lhe arrancar e destroçar pela manhã. Um Bernardo que iria sempre se lembrar daquela mulher que deixara de ser a menina vibrante por ensejo dele, mas que não a apreciaria.

Pois, no arremate, Gabriela entenderia que aquele quadrifólio não era para lhe pertencer naquele preciso momento. Ela compreenderia que seu destino não era voar a espera do reencontro das libélulas e sim ir à busca de uma nova sorte. Abrir asas na direção de um novo amor e este seria recíproco, verdadeiro. Seria como Bernardo – marcado dentro de si -, entretanto seria totalmente discrepante do passado. O novo amor, aquela nova libélula descoberta seria sua, presa por livre espontaneidade em seus braços. Os braços certos. E, dessa vez, foi Gabriela quem abandonou Bernardo. Deixou-o morrer e, sobrevivendo, correu em direção à vida. À bem-aventurada vida!