sábado, 22 de maio de 2010

O Poeta Ridículo.

Certa vez Fernando Pessoa disse que toda carta de amor é ridícula, se não for ridícula não é uma carta de amor. Bem, não é que ele tinha razão?! O amor é ridículo. Os amantes são bregas. E os humanos são movidos por esse sentimento. É de onde tiram a força para sobreviver, permanecer e existir. É de onde se assemelham uns aos outros, compartilham momentos. É quando a troca de olhares intensos ocorre.

Era nisso que Bianca pensava quando seus olhos se depararam com Caio. Ela voltava da aula caminhando tranquilamente pelo parque que separava sua escola de casa. Bianca ainda era jovem, mal havia terminado a universidade, mas se sentia com uma idade imensa diante de seus alunos, principalmente diante de Caio. Não é que ele fosse infantil, pois passando longe disso ele era um rapaz doce, quieto e brilhante. E toda vez que Bianca o olhava, sentia uma força dominá-la. Ele era tão jovem e ao mesmo tempo adulto, todavia aquele olhar inocente sempre estava presente. Difícil de admitir, mas ela era uma fraca. Deixava, desesperadamente, se dominar por sentimentos e fantasias. Desde pequena as criava e, dessa vez, seu protagonista era Caio.

Ainda se lembrava do primeiro dia de aula quando Caio entrou na sala atrasado, os fios lisos e castanhos caindo no rosto maculado, que estava levemente corado pela correria; a respiração ofegante e a farda desmantelada cobrindo o corpo atlético. Naquele momento, Bianca sentiu vergonha de si mesma. Sempre fora séria e direita, mas reagira de maneira tão antiética que se sentira perdida. E depois daquele dia, Caio sempre passeava por sua mente. Ela, obviamente, jamais demonstrava qualquer encanto por aquele menino.

Um mês depois e a complicação estava feita. Caio era um aluno dedicado e cheio de fome por conhecimento literário. O carma estava posto, uma professora de literatura sentir atração justamente por seu melhor aluno. Em sua vontade de aprender, Caio sempre criava situações constrangedoras. Não importava aonde, parecia que ela sempre terminava sozinha com ele. Fosse na sala, na biblioteca ou até mesmo no parque, os dois sempre acabavam a sós. E então o inevitável aconteceu, Caio se apaixonara por sua professora. Aquela delicada mulher de cabelos misteriosos – às vezes avermelhados às vezes castanhos – que davam a perfeita combinação com os olhos verdes enigmáticos. Diante disso não restou nada que o impedisse de se oferecer para acompanhá-la até em casa. Ou até mesmo quando subiram os degraus que davam a porta, nada o impediu de segurar e acariciar timidamente as maçãs, rosadas por conta do frio, da face dela. E em poucos segundos, selar seus lábios. E ambos se perderam naquele momento doce. Pelo menos até Bianca se dar conta da besteira que fazia e mandá-lo embora.

A partir daquele momento a aparente amizade que eles tinham, sumiu. Nada de momentos exclusivos. Viam-se na sala e ponto final. Mesmo que Caio insistisse de todos os modos e jeitos, Bianca não cedeu. E fraca do jeito que era se escondeu na sombra de Thiago, o novo professor substituto de física. Thiago era gentil e bonito, mostrava-se carinhoso com ela. Por isso, ela resolveu aceitar suas investidas e, alguns dias depois, cometeu um ato impensado, aceitou o pedido de namoro dele. Meses depois, aceitou o pedido de casamento. Pensava ter encontrado a felicidade.

As aulas estavam terminando e a sala de Caio, por estar no último ano, decidiu fazer uma grande festa para os alunos e professores. Utilizaram a quadra esportiva da escola. No meio da festa, que estava animada com música, comida e bebida, Bianca deu por falta de Thiago e de Caio. Olhou para todos os lados, mas nem sinal de qualquer um dos dois. Levantou-se do local que estava e saiu pelos corredores à procura. Logo os gritos chegaram aos seus ouvidos. Seus olhos deram imagem ao barulho do corpo de Caio indo fortemente de encontro ao metal dos armários. Exclamou chocada, atraindo a atenção dos dois. Gritos rolaram, lágrimas foram derramadas, relacionamentos foram finalizados e paixões foram descobertas. Thiago feriu-a com a pior arma que existe, a palavra. Ela tentou negar tudo, ferindo assim Caio. No final, os três formavam uma cadeia onde Bianca era o centro, onde ela tinha o poder sobre eles. E ela acabou ferindo ambos e a si mesma.

Dias depois, final do ano letivo, Thiago fora embora sem se quer perdoá-la. Bianca, que ao terminar a última aula sem a presença de Caio, fazia o caminho pelo parque. E lá estava ele, esperando-a. Uma chama de esperança acendeu dentro de si. Ela se aproximou, enquanto ele continuava parado fitando-a. O vento frio balançava os cabelos desordenadamente. Caio não falou ou esboçou qualquer reação, apenas pegou um envelope de dentro do casaco e o entregou. Então, após soltar um suspiro profundo, virou-se e partiu. Bianca sentou-se e deu início a leitura da carta.

Abra todas as janelas que encontrar e as portas também. Persiga um sonho, mas não o deixe viver sozinho. Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho. Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades, mas não enlouqueça por elas. Procure, sempre o fim de uma história, seja ela qual for. Dê um sorriso a quem se esqueceu como se faz. Acelere seus pensamentos, mas não permita que eles o consumam. Olhe para o lado, alguém precisa de si. Abasteça o seu coração de fé, não a perca nunca. Mergulhe de cabeça nos seus desejos e satisfaça-os. Agonize de dor por um amigo, só saia dessa agonia se conseguir tirá-lo também. Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura. Arrependa-se, volte atrás, peça perdão! Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. Alague o seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. Se achar que precisa voltar, volte! Se perceber que precisa seguir, siga! Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-as. Se perder um amor, não se perca! Se achá-lo, segure-o!
(Fernando Pessoa)


Lágrimas rolavam em sua face. Eram de dor e arrependimento. Eram de um amor perdido. Olhou para trás e encontrou a figura afastada de Caio olhando-a. Bianca sabia o que ele esperava. Ela balançou a cabeça negativamente e viu como ele voltava a se afastar. Olhou-o até que simplesmente desapareceu. E soube que, no final, o poeta realmente tinha razão. O amor era ridículo. Porém, real. Bianca descobriu que desejava ter tido um amor. Ter tido aquele amor, o de Caio. Também descobriu que arrependimento é real, e mata. Aos poucos foi matando-a...

Um comentário:

  1. que triste! gostei do fim, a Bianca mereceu, apesar de terceiros não, vide Caio. e realmente o amor é ridiculo ahaha ;x enfim, adorei.

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